Cristina Ribas, Giseli Vasconcelos e Tatiana Wells
O projeto Arquivos Táticos é um arquivo e cartografia que se dedica a mapear o contexto Brasileiro da produção de redes, conhecimentos livres e cultura de internet no Brasil nos últimos 20 anos. Além de organizar um arquivo disponibilizado on line viemos ao longo desses últimos três anos desenhando uma cartografia visual que narra esta história. Com este projeto realizamos uma pesquisa que procura abranger uma série de publicações, eventos, festivais, mídias táticas, internet e conhecimento livre no Brasil no período de 2002 a 2018. O projeto cria situações coletivas de levantamento de narrativas sobre essa história, e tem privilegiado o protagonismo das mulheres no mapeamento e nessas narrativas, ainda em defasagem em relação às narrativas mobilizadas por homens. Com a realização de laboratórios chamamos para a partilha dessa pesquisa e também para a continuidade da composição dessa cartografia, que intersecciona e complementa com outras cartografias, pesquisas, mapas, diagramas, narrativas, análises e mais.

Cartografia e arquivo podem ser pensados de várias maneiras diferentes. A cartografia neste projeto é pensada como metodologia de pesquisa, além de constituir uma forma visual que contribuir para a partilha dessa história. Pensamos a cartografia na sua complexidade, apresentando não apenas os eventos que produzem essa história de redes, internet e conhecimentos livres mas o contexto político desse período, com o objetivo de intervir no presente e inaugurar futuros. Pensamos a cartografia como método de pesquisa também por desejar um agenciamento coletivo, inaugurando espaço para uma série de análises e abordagens para estas práticas no Brasil – uma polifonia de experiências, vozes, realidades situadas, riscos e invenções. A coletividade que alimentávamos no começo dos anos 2000 parece que encontra outras realidades hoje em dia, e desejamos poder analisar de que forma podemos encorajar novas coletividades para além das diversas alienações que formas capturadas de produzir rede tem insistido em configurar. Queremos poder tocar também no funcionamento da máquina pública em relação às polifonias, relembrando a relação produtiva que já vivemos, ao passo que com pesar vemos o constante desabamento das políticas de fomento à cultura e à alfabetização digital. Ao nos dirigirmos a essa história, decidimos abordá-la a partir da subjetivação coletiva com perspectiva feminista trazendo à superfície dessa pesquisa nossa condição como pesquisadoras mulheres e um olhar para as formas de fazer não hierarquizadas, nem tecnocráticas, conectadas com nosso potencial criativo e de formação de subjetividade. A cartografia, e o arquivo, que organizamos são, portanto, uma expressão semiótica das redes que construímos e que nos sustentam em nossos processos de existência.

A cartografia visual apresenta essa pesquisa, e ela surgiu de diversas conversas entre Giseli, Cristina e Tatiana e foi finalizado por Cristina e Lucas Sargentelli. Teve sua primeira apresentação em 2018 na exposição Arte-Veículo (sob curadoria de Ana Maria Maia, Sesc Pompéia, SP) e a segunda um ano depois. A cartografia dá forma aos quatro períodos pesquisados no contexto das redes de colaboração, elencando eventos, momentos políticos, políticas de cultura e de cultura digital, projetos, festivais. A cartografia visual apresenta as mais de 40 publicações realizadas no período.

A pesquisa para essa cartografia assume sua processualidade, e bem por isso atualizamos ela à medida em que realizamos momentos de coletivização. Na primeira vez que expusemos a cartografia, em 2018, realizamos um Laboratório convidando mais 7 mulheres para participarem da primeira atualização da cartografia – Tininha Lhanos, Adriana Veloso, Fabiane Borges, Milena Durante, Inês Nin, Elisa Ximenes e Sue Nhamandu. No decorrer de três dias, as desenvolvedoras foram chamadas a agregar novas perspectivas ao arquivo em curso. Nesse momento gravamos pequenos vídeos que funcionam como teasers de conceitos, práticas e conteúdos que narram essa história de internet no Brasil. Os vídeos tratam de cartografia visual, submidialogias, mídias táticas, internet, metareciclagem e cultura hacker, memória, internet brasileira, comum e coletivos, tecnoxamanismo e comuna intergalática. Em um dos vídeos Cristina conta mais sobre a forma como pensamos a cartografia visual nesse processo de pesquisa, e formas de pensar e realizar a cartografia coletivamente. Transcrição de parte do vídeo:
“A gente pode pensar que a cartografia pode ser usada como uma ferramenta para co-produção da subjetividade, desse ser no mundo, no seu caminho, no seu percurso. E ela pode ser usada nesses processos coletivos também de modo a dar a ver uma série de processos e produções que esses indivíduos desenvolvem. Não é toda cartografia que necessariamente se torna visual, a cartografia pode sim se tornar visual se há interesse e se também parte de uma pesquisa, de uma necessidade como é o caso daqui. A gente resolveu usar a cartografia como um método de pesquisa que perpassa as nossas vidas, os nossos percursos, como produtoras, desenvolvedoras, não-artistas, artistas, arquivistas, das redes de produção digital, de internet, de mídia tática, de conhecimentos livres, então a gente resolveu trazer as nossas experiências. Mas não são só as que nós vivemos (três mulheres, Gi, Tati e Cris), mas num grupo maior 9-10 mulheres, e claro, pensando experiências coletivas em relação a essa produção. A gente resolveu trazer essa produção na sua visualidade pela necessidade de conseguir ver a potência dessa história, a potência dessa produção, para que a gente também conseguisse criar esse espaço de navegação – em que mais pessoas possam encontrar suas próprias trajetórias, e possam projetar suas trajetória aí dentro. Por isso dizemos que essa cartografia é feita de maneira extensiva, e também intensiva. A gente deseja que a parte intensiva da cartografia venha a partir das vivências pessoais das participações e da percepção da sua trajetória de vida em relação ao momento político que o Brasil estava vivendo ou está vivendo. Vemos a cartografia como uma ferramenta super tática nesse momento em que é necessário olhar essas tecnopolíticas, para essa produção de cultura digital, de conhecimentos livres, um momento crucial pra gente conseguir reorganizar o presente para projetar novos futuros.”
Clique aqui para todos os videos do laboratório.
O desenho da cartografia apresenta os conceitos que foram criados e mobilizados coletivamente (em texto blocado), eventos e festivais são apresentados com data (início e fim), ou se seguem acontecendo com o sinal de (-), publicações de referência como livros, coletâneas, dissertações e teses são apresentadas com um símbolo de um livrinho; e por fim o contexto político é apresentado em cinza, em uma fonte menor, assim como as hashtags. As publicações estão todas disponíveis no website do projeto Arquivos Táticos.
Em 2019 Giseli e Tatiana apresentaram esse processo no Transmediale (Berlim), na conferência Radical Networks (Berlim/NY), e Cristina apresentou no Seminário Internacional Convergências (Porto Alegre). E nesses três anos trabalhamos em dois textos que contam do processo de pesquisa e criação da cartografia e do arquivo em forma de website. Esses textos foram publicados em APRJA (Inglês) e no Seminário Internacional Convergências (Português).
